quinta-feira, 7 de abril de 2011

Misto-quente - Charles Bukowski


"Concluí o trimestre, mas minhas espinhas tinham piorado ainda mais. Elas eram do tamanho de nozes e cobriam minha face.
Eu sentia muita vergonha. Algumas vezes, em casa, eu parava em frente ao espelho do banheiro e estourava uma das espinhas. Pus amarelo espirrava no espelho. E então saía um pequeno caroço branco. De um ponto de vista escatológico, era fascinante que toda aquela porcaria pudesse caber ali dentro. Mas eu sabia como era difícil para as pessoas terem que me olhar.
A escola deve ter alertado meu pai. Ao final daquele trimestre, fui retirado da escola. Fiquei de cama e meus pais me cobriram de ungüentos. Tinha uma pomada marrom que fedia. Era a preferida de meu pai. Queimava. Ele insistia para que eu a mantivesse no corpo, muito tempo além do que a bula indicava. Certa noite ele insistiu para que eu a deixasse agir por horas. Comecei a gritar. Corri para a banheira, enchia-a de água e removi a pomada, com dificuldade. Eu estava queimado no rosto, nas costas e no peito. Naquela noite me sentei na beirada da cama. Eu não conseguia me deitar. Meu pai entrou no quarto.
- Acho que eu te disse para ficar com a pomada.'
- Olhe o que aconteceu - eu falei. Minha mãe entrou no quarto.
- Esse filho-da-puta não quer se curar - meu pai disse a ela. - O que foi que eu fiz para merecer um filho como esse?
Minha mãe perdeu o emprego. Meu pai continuava saindo todas as manhãs de carro como se estivesse indo trabalhar.
- Sou engenheiro - ele dizia às pessoas. Seu sonho era ter sido engenheiro.
Deu-se um jeito para que eu fosse internado no Hospital Geral do Condado de Los Angeles. Recebi um cartão branco comprido.
Peguei o cartão e tomei o bonde da linha 7.
A passagem custava sete centavos (ou quatro passes por um quarto de dólar). Guardei meu passe e fui me sentar no fundo.
Tinha uma consulta às oito e meia.
Algumas quadras depois um garotinho e uma mulher entraram no bonde. A mulher era gorda, e o garotinho devia ter uns quatro anos de idade. Sentaram-se no banco atrás de mim. Olhei pela janela. Seguimos. Gostava da linha 7. Ia em alta velocidade e balançava bastante enquanto lá fora o sol brilhava.
- Mamãe - ouvi o garotinho perguntar -, o que há de errado no rosto daquele homem? A mulher não respondeu. O garoto voltou a fazer a mesma pergunta. Ela não respondeu.
Então o garoto gritou:
- Mamãe! O que há de errado no rosto daquele homem ?
- Cale a boca! Não sei o que há de errado com o rosto dele.
Dirigi-me à recepção do hospital e eles me encaminharam para o quarto andar. Lá, a enfermeira sentada à mesa anotou meu nome e me disse para eu esperar sentado."
 

Um comentário:

  1. Adorei o post!
    Esse livro é demais!
    Enfim... Só tenho coisas boas para dizer sobre essa leitura...
    Você sabe como sou apaixonada por Bukowski...
    É um amor a parte, que poucos amantes desse tipo de leitura conseguem entender!

    Ps: Foi muito bom lê-lo com vc! Lembra?

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